sábado, 30 de maio de 2009

O sonho que pode virar pesadelo.

Essa “síndrome de empresários” no futebol deixa qualquer um estupefato. Nesse meio atualmente, empresário é que nem “bunda”, todo mundo tem. O futebol mudou. Isso é fato. A Lei Pelé amordaçou os clubes, sobretudo os do interior e abriu caminho para um nicho que não pára de crescer. Nada contra os tais profissionais, mas muitos (não todos) acabam prejudicando os próprios jogadores, e são impiedosos com os clubes que projetam os atletas. Os últimos contraatacam com a multa rescisória. É fácil entender. Há pouco tempo, empresário para boleiro era algo parecido como músico ao lançar CD ao Vivo. A coisa não era tão rápida. O artista gravava um trabalho, fazia muitas apresentações, turnê e tal, e só depois pensava num CD ao Vivo. Os mais inteligentes esperavam um pouco mais e deixavam a idéia para um momento mais oportuno. Já no futebol, o garoto disputava um bom torneio no amador ou no time de cima, se possível com um título. Assinava seu primeiro contrato e só depois pensava em empresário. Os mais inteligentes, a priori, deixavam tudo a cargo do pai, parente ou um amigo muito confiável. A moda dos empresários é incrível. A molecada nem trocou o kichute pela chuteira e já mudou várias vezes de empresário. Se a função virar curso de graduação, não se assustem, porque após medicina e direito, a especialidade será a mais procurada. Conversando com um dirigente da Ferrinha fiquei pasmo quando soube que o atacante Robinson foi procurado pela S.A durante a Série A2 para ter seu salário triplicado e o contrato prorrogado. O garoto não deu trela para os dirigentes e disparou: “Deixa acabar o Paulista e então, sentamos com meus empresários pra conversar”. É isso mesmo: “meus empresários”. Na falta de um, tem o procurador do empresário, o supervisor do procurador, o amigo supervisor do procurador e por aí vai. É óbvio que é um jogo de interesses. Ao se destacar no inicio da A2, a cúpula grená ofereceu uma bagatela de crescer os olhos do menino, pois em troca aumentaria a multa rescisória. Caso o atleta fosse vendido, a S.A conseguiria alavancar um montante maior e o jogador iria abocanhar aindasua porcentagem na transação. Nada mais justo para ambos. Quem deu alimentação? Quem bancou moradia? Quem deu a oportunidade ao jovem na Taça? A Ferroviária. Em contrapartida, o atacante treinou, correu atrás e aproveitou as chances. Não caberia aí ao atleta usar o bom senso e gratidão por quem está dando a ele a oportunidade de ascensão financeira na vida? Não só nesse caso, como na maioria, a resposta é não. Os caras legais, confiáveis e “maneiros”, com uma cabeça jovial são os empresários e não o clube revelador. Parece castigo. Depois que evitou a diretoria o boleiro só se ferrou e por tabela, também “Ferrô” o time, já que não marcou mais gols. Corria mais que a Marizete Rezende, porém seu jogo deixou de ser objetivo. O futebol estacionou, mas jogador bem assessorado que se preze está sempre na moda. Chuteiras multicoloridas, tiaras e apetrechos não faltaram. Se você ainda tem dúvida em reconhecer esse novo nicho de boleiros jovens, vão aí mais algumas dicas: Eles passam mais tempo no celular do que treinando.Não dão muita atenção para a torcida e imprensa; afinal de contas estão instruídos e sabem que time do interior é só uma ponte para o estrelato. Ah! Chegam sempre com sono aos treinos. Em suma, identificação nenhuma com o clube que defendem. Opa! No fim do treinamento, mais tempo em campo pra aperfeiçoar a bola parada? Que nada. Um pulo na lan house pra falar com os empresários e procuradores na “net”, a fim de se inteirar das novas propostas. Pra encerrar: quando estão prestes a assinar alguma procuração, adoram visitar um departamento médico. Esses dias meu amigo disse que seu filho de 8 anos tava batendo uma bolinha no SESI no feriado e um empresário procurou ele oferecendo um contrato para o garoto, que já freqüenta uma escolinha de futebol na cidade. Fissurado em futebol e amante do esporte, meu amigo sempre quis ser jogador, porém as coisas não deram certo. Perguntei: “E aí, vai assinar? –”Claro, meu pai sempre falou que o menino levava jeito. Faltava alguém apostar nele! Meu Deus, quantos pais e mães depositando suas frustrações nos filhos e colocando responsabilidades em crianças no lugar de brincadeiras. Acompanhei a AFE em 2006-07- 08 quando trabalhava no Imparcial. Todas essas pessoas, agora ligadas diretamente aos jogadores entravam no estádio. Assim que acabavam os treinos, muitas pessoas colavam nos alambrados. Às vezes a imprensa tinha que esperar os atletas conversarem com eles, para depois ser atendida. A coisa era bem escancarada. Quando as entrevistas ocorriam na saída dos vestiários, nos deparávamos com uma multidão assistindo a molecadinha treinando. Um ou outro se aproximava da gente e perguntava: “E o time profissional. Vai bem?”. –”Tá indo sim. E você? Esperando acabar o treino do filho?” –”Não. Sou procurador, e tô vendo uns meninos aí!”. Um dia encafifado perguntei ao dirigente Bruno Ópice. “Não entendo. Tanta gente não identificada entra na Fonte (já era municipalizada), observam tudo e conversam a vontade com os jogadores e ainda os vemos entrando com cortesias nos jogos?”. No que ele respondeu. “São destinados alguns bilhetes pra que os jogadores distribuam aos familiares ou amigos, mas eles preferem repassá-los aos empresários da vida”. Que dó dos parentes. Fico imaginando a conversa: “Olha pai, se quiser você paga ingresso, escuta as emoções pelo rádio com os Campeões da Bola ou vê pela Rede Vida, pois tenho que pensar no meu futuro!”. Como disse anteriormente, é uma situação irreversível. Não são mais os jogadores que dependem dos clubes, e sim os últimos que ficam a mercê dos atletas. Outro dia escutei o ex-presidente Pareli Filho falando: “Antes da Lei Pelé e dessa onda de empresários e, tudo se dava entre os dirigentes. Os diálogos ocorriam e os atletas só ficavam sabendo das conversações quando essas estavam em fase de conclusão, caso contrário o time tava ferrado, pois eles tiravam o pé e perdiam o foco”. Infelizmente não vamos ter um novo Picolim, ou então um novo Vail Mota com seus olhos clínicos e tantos outros espalhados pelo Brasil, buscando nas peneiras da vida jogadores para serem formados nos clubes, posteriormente identificados com a cidade e só lá na frente, após brilharem no time profissional, serem vendidos. Por gratidão a maioria voltava pra encerrar a carreira nas equipes que os projetavam. As mudanças no futebol quando acontecem não retrocedem. Os times interioranos estão nas mãos da famigerada Federação Paulista, que há tempos virou as costas para as agremiações, dependentes cada vez mais dos patrocinadores, e lutando as duras penas pra revelar jovens jogadores e assim se manter em atividade. Essa questão dos empresários é uma situação irreversível. O jornalista Juca Kifouri escreveu recentemente em seu blog: “Precisamos acreditar que pelos menos 70% dos empresários no mercado sejam de boa índole e bons caracteres. Que estejam aí para ajudar os jogadores. O empresário rege todo o extra-campo e vai negociar e vai cuidar de tudo. Já os outros 30%, infelizmente sugam o jogador e muitos atletas deixam de ter identidade com o clube, exemplos como Zico e Pelé não existem mais. Hoje o jogador fica três ou quatro meses em um clube e vai embora porque o empresário fica em cima dele para mudar, é onde o empresário vai ganhar dinheiro, na troca, na transferência, na venda do atleta. O grande mal do futebol brasileiro é essa transferência”, analisou. Fica a torcida para que os novos talentos possam contar com seus familiares e façam boas escolhas; que os empresários profissionais pensem na sua sobrevivência, mas com carinho nos garotos e não apenas nas cifras. Se possível, que analisem também a situação do clube formador. É o futebol e já faz algum tempo que essas são as regras do jogo.