terça-feira, 19 de maio de 2009

Das quadras para o campo.

O futebol de salão é a principal porta de entrada para um garoto no mundo do futebol aqui no Brasil. Praticamente toda cidade tem, ao menos, uma escolinha, que, fatalmente, disputa algum torneio regional contra vizinhos maiores, geralmente com equipes mais bem estruturadas e até mais próximas daquele que é o grande objetivo da esmagadora maioria: o gramado.
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Diferentemente de países como a Holanda, por exemplo, em que já se joga no campo desde os cinco, seis anos de idade, por aqui, a tradição que se firmou, em virtude do quase desaparecimento da chamada várzea, é a de se dar os primeiros chutes em uma quadra de 40 metros de comprimento por 20 de largura (dados oficiais, segundo a Confederação Brasileira de Futebol de Salão – CBFS). E até por isso, não são poucos os garotos brasileiros que, lá no começo da carreira, despontavam nas quadras do país, sendo posteriormente “puxados” para o campo. Ronaldinho Gaúcho e Robinho, cujos vídeos no futsal já foram mostrados muitas vezes, são exemplos.Todavia, esse esporte tem passado por alterações, muito devido à renovação cada vez mais constante da profissionalização do futebol de campo. Basta dizer que, cada vez mais, já se criam novas categorias dentro do futebol de base brasileiro. Recentemente, a Federação Paulista de Futebol (FPF), por exemplo, criou os Estaduais “oficiais” Sub-11 e Sub-13, devido à demanda e até pelo fato de organizações “paralelas” já realizarem torneios de natureza semelhante. O que cria, naturalmente, uma “competição” contra as mesmas categorias dentro do futsal. Categorias essas que, dentre as “de base” na modalidade, estão entre as mais visadas.Os benefícios do esporte na quadra são bastante conhecidos, como o incentivo à movimentação e ao toque rápido na bola, o aprimoramento do raciocínio e a exigência física. “O salão pede uma pegada mais forte, além de demandar a corrida. No futebol de campo, o jogador mais anda do que efetivamente corre. Mas principalmente: na quadra, o garoto aprende a se virar em um espaço mais curto e limitado. E com as marcações cada vez mais apertadas que o futebol vê, isso se mostra fundamental. É importante que, especialmente por estar numa faixa de idade que se apreende melhor o que é passado, o menino adquira tais qualidades.”, explica Emerson Ballio, treinador das equipes sub-11 de futebol e futsal do Santos.De olho nesses aprimoramentos, os próprios clubes considerados grandes passaram a dar uma atenção maior às quadras, especialmente nas tenras idades. Além do Peixe, Corinthians, Palmeiras e São Paulo também têm equipes disputando torneios no estado, em diversas categorias, mesmo nas — acreditem! — sub-6 e sub-9. Dentre esses, aliás, Ballio conta que é o Timão que tem maior facilidade em angariar futuras promessas, justamente pela criançada começar bem cedo, por assim dizer, no esporte.“Lá, a garotada já começa com 4, 5 anos. Eles já vão formando a turma e preparando para, quando crescer, ir lançando para o campo”, conta, completando, ainda, que a busca dos grandes do futebol na área do futsal tem, automaticamente, sido um agente “convocador” de garotos. Como exemplo, Ballio cita o próprio alvinegro praiano. “Para se ter uma ideia, na época em que ainda não tínhamos uma categoria sub-11, o Gremetal era o time mais poderoso, recebia toda a molecada forte. Quando o Santos criou o sub-11, automaticamente, pelo nome do clube e pela possibilidade de ficar perto do futebol de campo, essa turma toda veio para cá. É natural, e ocorre também na Capital, com os grandes”, revela.Ritual de passagemA ida para o campo não pode demorar, se o real objetivo for mesmo o gramado. Ballio explica que não há um número cientificamente exato, mas aponta os 15 anos como idade máxima para que o garoto faça a “transição”, para que não sinta tanto, já em um nível mais elevado, as diferenças latentes que o futebol impõe. Para tal, cita como exemplo dois dos maiores jogadores de futsal do Brasil, Manoel Tobias e Falcão. “Ambos sofreram muito com a excessiva velocidade que tentavam aplicar nas jogadas, naquilo de tocar e esperar para receber e chegar batendo. Não dava certo. Fora que a própria questão do impedimento sempre foi muito complicada de ser assimilada por eles, devido às dificuldades táticas e de posicionamento. No entanto, são monstros sagrados do futebol de salão nacional”, relembra.Há exceções, todavia, tal como para tudo que se passa na humanidade. E o mais recente caso e o de Mithyuê, tido como grande promessa das categorias de base do Grêmio. Considerado a maior revelação do futsal brasileiro desde Falcão, tendo jogado, inclusive, pela seleção canarinho principal nas quadras, Mithyuê, aos 18 anos, decidiu que iria tentar a sorte nos gramados. Teve no Brasileiro Sub-20 seu momento sublime, ao ser escolhido como o melhor do certame. Fora o fato que, ao longo da carreira, iniciada no salão aos 6 anos, só havia atuado em uma única ocasião no campo, em um torneio municipal. Algo que, para o treinador santista, “é um verdadeiro fenômeno, um caso à parte”.Ballio exemplifica a dificuldade de interação com exemplos que nota dentro do próprio Santos, e com promessas que já atuam no campo. É o caso de Jean Chera, tido como um dos principais nomes brasileiros no sub-15. “O Jean recebia a bola e já deveria devolver, mas parava. E o mesmo quando era ele que tinha que correr para dar prosseguimento à jogada. Por muitas vezes, precisei substituí-lo para que o time rendesse. O estilo dele é para o campo, e não para o salão”, relembra, citando, ainda, Neymar, que já obteve resultados mais expressivos no futsal: “Ele passava pelos rivais com muita facilidade. Ora indo pela esquerda, ora pela direita. Daí os treinadores tentavam bloquear as pontas e o meio, e ele não deixava por menos. Desconcertava os rivais e partia para o gol”, recorda.No entanto, a transição é complicada — e principalmente aí — no que diz respeito à questão tática, que envolve o posicionamento da garotada nos espaços e a marcação. E aí está o que é considerada a maior dificuldade da transição, que é o acerto de posição, combatendo vícios que, fatalmente, já se estabeleceram na molecada. “Há coisa que precisam ser acertadas, e isso só funciona, quando atuando com crianças, através de pequenos jogos, em um projeto que demanda paciência, já que, por muito tempo ainda, eles vão tentar repetir os lances do futsal no campo, a correria, o toque-e-chute”, diz Ballio.Para ilustrar essa questão, o treinador santista relata uma experiência que também evidencia a dificuldade de se preparar, ao mesmo tempo, times para ambas as modalidades. ”Já tentei disputar um campeonato usando um grupo de 30 jogadores, que disputavam, simultaneamente, salão e gramado. Não deu certo, você nota que os meninos sentem, tanto a pressão como as diferenças. No futsal, não há uma posição definida, por assim dizer, mas no campo sim. O número de impedimentos em que eles ficavam também era descomunal. Mas foi importante, até para que se pudesse ajeitar o treinamento de forma mais específica”.O primeiro ponto considerado para ver se o garoto está preparado para mudar do salão para o gramado é a qualidade individual, a habilidade com a bola no pé, o domínio da mesma e a disposição. É só nesse momento que se passará a ver em que posição determinado atleta atuará. O próprio Mithyuê, por exemplo, quando chegou para os testes no tricolor gaúcho, não sabia em que lugar jogaria. Tanto que, no próprio Brasileiro, embora tenha iniciado como volante, encerrou o campeonato jogando muito mais próximo ao ataque, como meia-ofensivo, graças à percepção de Julinho Camargo — onde, aliás, mostrou-se letal, com assistências e gols.E, pelo menos em tese, não adianta pensar que o menino, por ser um excepcional pivô, será necessariamente um ótimo atacante. Muitos acabam, inclusive, recuando, vindo jogar no meio-campo ou até como volante. “O pivô é o cara que vai chutar bem, mas saber virar o jogo quando necessário, segurar a bola, controlar a partida. Tudo passa por ele. Até por isso, a probabilidade de ele se adequar mais atuando em uma função de distribuição é maior. Assim como o fixo, que tende a jogar como zagueiro ou, se for habilidoso, meia. Mas não é algo que se possa dizer que é 100% certo. Basta lembrar que o Marinho (defensor, ex-Grêmio e Corinthians) era goleiro no salão”, explica Ballio.PressãoNaturalmente, um sucesso no futsal pode levar o garoto para o campo com mais velocidade, o que pode, por muitas vezes, acelerar uma transição que não era para ocorrer, ao menos, até aquele momento. O que, a bem da verdade, ocorre tanto nas quadras, como nos gramados. Não é incomum, em jogos, principalmente no futebol de salão, onde a proximidade com a torcida é mínima, ver pais e mães pressionando o filho para que ele arrebente, que faça gols (às vezes, mesmo sendo um jogador de caráter mais defensivo), brigando com o menino porque ele foi substituído ou reclamando com o treinador do porquê de não se escalar o rebento para o iniciar do jogo.”Há um garoto que treina comigo hoje que fica olhando, a todo instante, para o pai na arquibancada. Você nem consegue passar instrução para ele direito, parece que ele não consegue prestar atenção, e de fato não presta. Tanto que, uma vez, cheguei perto do pai e disse: Olha, faz o seguinte. O seu filho está seguro aqui, pode ficar tranquilo. Pode ir para a praia, dar uma caminhada, e volta depois para buscá-lo. Cabe ao treinador também ter esse papel”, conta o técnico do sub-11 do Santos.Ídolos das quadras (e dos campos)Como supracitado, não são poucos os craques brasileiros que surgiram no futsal. Confira abaixo um resumo da passagem de alguns dos principais ídolos recentes do País nas quadras. Há infinitos nomes desde Zico e Casagrande a dupla de Ronaldos. Já naquela época, com nem bem dez anos de idade, eles já davam o que falar...Ronaldinho GaúchoQuando ainda era um menino da categoria Pré-Mirim no time do Procergs, de Porto Alegre, o dentuço Ronaldinho ainda era simplesmente Ronaldo, irmão de Assis, ídolo do Fluminense. Mas os lances espetaculares do garoto nas quadras gaúchas já faziam os pais e treinadores exclamarem, com a absoluta certeza, de que diante de seus olhos estava o novo Pelé. O atual jogador do Milan ficou por cinco anos no time porto-alegrense, de 1990 a 1994, até a categoria infantil, quando foi encaminhado para o Grêmio, onde surgiria para o futebol mundial.Ricardinho“Falar de futsal para mim é um prazer, este esporte teve um papel fundamental na minha vida pessoal e profissional, pois atuei nele durante 11 anos”. A frase, publicada em um especial da Confederação Brasileira de Futebol de Salão (CBFS), é atribuída a um dos últimos grandes ídolos do Corinthians e pentacampeão mundial com a seleção brasileira em 2002, Ricardinho. Paulistano, chegou a Curitiba graças a uma transferência do pai, e logo aos seis anos ingressou nas quadras do Pinheiros, clube que, futuramente, daria origem ao Paraná. Passou por outras agremiações de salão até voltar, por fim, ao Bicolor, que logo o puxou, antes que fosse tarde, para o futebol de campo, onde viria a explodir.RobinhoO menino de São Vicente, hoje um dos maiores jogadores do mundo, antes mesmo de pisar no gramado da Vila Belmiro e ser apontado como Pelé como futuro craque, deu os primeiros chutes no Beira-Mar, clube de futsal de sua cidade natal. Com uma habilidade fora do normal e grande faro de gol, chegou a fazer inacreditáveis (mesmo para o futebol de salão) 73 gols em um ano. Foi nas quadras da hoje extinta agremiação vicentina — e que hoje é um centro esportivo que leva o nome de Robinho — que foi descoberto por Betinho, ex-treinador da base do Santos, que o levou para o Portuários. Dali para frente, é a história que todos conhecem.EdmundoO Fonseca, clube de Niterói, foi onde o Animal deu seus primeiros chutes. Com apenas 9 anos de idade, já demonstrava um faro de gol considerável, que fez seu professor de judô (!) o convidar para jogar no Vasco da Gama. Do cruzmaltino, foi para o salão do Fluminense e do Bradesco, antes de, aos 15 anos, chegar ao time sub-17 do Botafogo, onde ficaria até 1989. Sempre, todavia, esteve acompanhado da famosa indisciplina que o pautou historicamente, e o Vasco, até por o ter resgatado após ser dispensado pelo Fogão, é quem se considera seu real revelador.